Mas quanto mais anotava (aqui e ali os fragmentados sentimentos e papéis iam se disseminando dentro de livros, agenda, entre recibos dívidas e dúvidas), quanto mais anotava o que achava positivo e negativo, mais se desesperava porque a coluna do negativo só crescia. Mas quanto mais cresciam os atributos negativos da pessoa amada que racionalmente dissecava, mais preso a ela se sentia. Então olhava a lista, como quem faz um rol de compras e se indagava. –Diacho, porque não acabo logo com essa relação?
Topou com uma dessas listas, que havia escrito há meses. Os dados negativos estavam lá:
Me deixa em ansiedade diante do telefone
Me transformou numa pessoa insegura
Tem uma estranha oscilação de humor
Me faz sentir ridículo
É muito imprevisível
Inibe meus afetos e palavras
Me faz sentir rejeitado
Tem umas coisas tão infantis
Não se interessa por minhas coisas
É auto-centrada
Na verdade, é imatura
Só quer receber
Vou pegar o telefone, não, telefone não é o instrumento certo para isto, tem que ser pessoalmente essa conversa, aliás, vou pegar o telefone, mas é para marcar logo um encontro, dizer que precisamos ter uma conversa pessoal e depois, cara a cara, dizer, enfim, que pensei muito que é melhor a gente parar por aqui, etc.
Telefonou. Marcou. Foi, viu e não venceu nem convenceu.
Mas é a última vez, foi se dizendo na volta para casa, como se quisesse se convencer que a derrota não havia sido em vão.
Não foi a última vez. Outras últimas vezes se sucederiam. Precisava ser vitoriosamente derrotado várias outras vezes, como se quisesse gastar o corpo alheio no desencontro dos encontros.
E a lista de defeitos e qualidades do objeto desejado & destestado ia refazendo e reescrevendo, c omo se, pela reinscrição, a tinta fosse se gastando, como se assim os sentimentos fossem se exaurindo, se apagando, se repetindo, se anulando, com se a melhor forma de se libertar do infeliz amor fosse sofrê-lo até o fim, ou, então, até o momento em que seu instinto de sobrevivência o fizesse, subitamente, romper com tudo e, finalmente, libertar-se.
Autor: Affonso Romano de Sant`anna