Destaque :

A Rocco lança um blog especial sobre QUE PAIS É ESTE? , de Affonso Romano de Sant`anna: http://quepaiseesteolivro.wordpress.com/

sábado, 10 de abril de 2010

Renato Silva



Sobreviverei

Assassinos lacrimejaram em um berçário.

Cercado por familiares que

em gestos pré-infantilizados

tentavam comunicação

não com o predador a se arquitetar

mas com a formalidade ou

o amor ao próximo Rita Baiana:

sem frescura, atietado de tão nobre

descalço se preciso:

amor que nunca cora –

o único deveras.

Na cena mais bela

que a natureza pode proporcionar-nos

amamentaram-se.

Não consta que assassinos não se alimentam -

assim como padeiros, poetas e prostitutas que

com assassinos lacrimejaram em um berçário

ao lado de futuros pecuaristas e jogadores de futebol –

ainda que algum desses não tivera tempo

de driblar a pré-mortalidade ou tristeza que a valha

para errar dois escanteios.

Não consta que atletas nascem barbados.

Nestes pensamento apego-me

ante a ferida dos golpes

para não julgar mal um bebê:

uma rosada bochecha lançada à escuridão

sem nenhum destino traçado

exceto o de ser refém do meio.

Ele: a faca.

Eu: a concentração e o “ter com quem nos mata lealdade”.

Assoprarei sua barriga.

Com um sopro canivete

transbordarei sua boca em sorrisos –

são esses os glóbulos dele.

Nestes pensamentos apego-me.

Sobreviverei.

Autor: Renato Silva [o Cidadão das Nuvens]

AnadeAbrãoMerij


I.
_ no silêncio , a saudade habitada _

[ poema para meu Pai]


existiu um tempo em que :
* a felicidade sentava-se todos os dias no peitoril da janela..."
* Jorge de Sena



na ramada de úmidos lírios

a casa suspira aromas de primaveras

como se de um cesto de frutas colhidas frescas

a pureza de infâncias derrama-se sobre a mesa



enquanto o tempo aprisiona a tua eternidade

semeio-te vento onde respira a nossa história

nos jardins, nas clareiras, nas azinhagas, no ar



assim, de ti me acerco com os olhos exaustos da luz

entre as esquinas da memoria a pastorar os silêncios

onde respiram as velhas canções de ninar teus cansaços

como um poema ferido de amor sob o látego da insônia



assim,
de ti me acerco nas madrugadas de ausências irremediáveis
pelos cantos desocupados
onde procuro-te nesse vazio que nada preenche
como se a morrer-me em oferta consagrada

para atingir-te :
uma vez
outra vez
e mais outra

porque ainda caminhas:
[- por essa dor insaciável! ]


Autora: AnadeAbrãoMerij

Elane Tomich


Na testa de um menino

interrogação a carvão

numa pergunta à espera

de longa reposta em mimos

sobre seus passos aqui.


Mal e mal compreendida

a pergunta, ofendida,

adormeceu sobre si.

Pendente ficou a vida

nos sapatos de cadarços

tão pequenos, largos passos

pouca vida, tanta lida




No aparato dos sertões

da razão tantos senões

sola gasta, solo e pasto

hipóteses mil à espera

de tudo onde a vida opera

num grão de areia ao vento

solidão do pensamento.


A sós indagou-se à quimera

num desejo tão comprido

correndo em vão ressequido

de alicerce não cumprido

Curta resposta secava

tão só secava, secava de apenas ser

curiosidade trancada.


Secava tão devagar

o segredo de viver

era terra a beber lágrimas

trapézio a voar vazio

um sonho dependurado

marcas de choro no estio


Mesma terra que me sonha

e, na idéia, coleciona

rios qual o Jequitinhonha.


Ficara a vida parada

ou nada, que o nada é nada?

Anjo errante a virar páginas

provava que o descaminho

de uma reposta fechada

une em roda a ciranda

_que não parece, mas anda_


Vacila à beira ninho

o retorno à mesma espera

daquela pergunta amarrada

na garganta do menino

se for ou não, mas seguia,

no enroscado do imbé

no vôo do curiango

entre o fandango e o banjo

o porque se desfazia

cicio em assovio

em respostas, travessia

ponte do abismo à fé.

[PS: então o menino chorou vales atravessou e conheceu a maré, óbvia reposta calada,à imensidão do nada]

Autora : Elane Tomich

Osvaldo Pastorelli




Ela estava onde sempre esteve.

Quieta alheia a tudo o que ao redor se passava. Cabeça abaixada, o queixo encostado ao peito, o corpo encurvado, o olhar perdido em vagos pensamentos rememorando o tempo e o espaço com fatos que se fixaram na memória do enfraquecido corpo e nas enrugadas mãos que se mexiam num laborioso trabalho imaginário dobrando e desdobrando a barra do vestido.

Sua mente deslizava no escuro, numa suavidade em uma nesga que tanto fazia o que se passava ao seu lado.

De vez em quando alguém ao passar por ela puxava o vestido interrompendo o que fazia. Girando com dificuldade a cabeça olhava a pessoa como se fosse dar bronca ou falar e, conforme a ocasião, como se procurasse por alguém.

Tinha medo de ficar sozinha.

Fosse esquecida no seu canto a espera da morte. Da morte propriamente não tinha medo. O que a apavorava era ficar sozinha, morrer só, sem ter quem segurasse sua mão.

Não distinguia as vozes, gostava de ouvi-las ressoando pela casa barulhenta. O sobe e desce a escada de madeira. O liga e desliga a televisão. As vozes eram um amalgama de sons, sem distinguir de quem era ou de onde vinham, assim passava ela a vida.

Mas um dia, entretidos com seus problemas não viram que com dificuldades ela se apoiou no braço da poltrona e lentamente ficou de pé. Olhou para os lados. Só a neta de cabelos encaracolados olhava para ela. Todos continuavam conversando não viram ela se levantar.

Seguida pela menina atravessou a sala, passou no meio de todos, abriu a porta, sorriu e jogou um beijo para a neta e foi embora.

Autor: Osvaldo Pastorelli

Jorge Vicente

sintra era um lugar no meio da escuridão. pedro procurava os óculos aonde parecia haver pedras. pedras. pedras e mais pedras. pedras grandes e pedras pequenas, pequenos rochedos como tochas que invadiam o espaço lunar, o lugar onde milhares, centenas, dezenas, pequenos pontos de pessoas escreveram as suas histórias, as suas memórias, as suas lentas ascensões, as suas pequenas quedas. pedro era uma dessas pessoas, como todas as pessoas que procuravam, não os óculos, mas o caminho de regresso para os carros, que estavam na base do monte.

não te preocupes, amanhã vens cá.

preocupo-me, pois tenho de escrever uma parte do romance. sabes, aquela história que contei no dia dos teus anos. pensei transformá-la num capítulo, num pequeno acrescento. gostaste da ideia?

eu gosto de todas as tuas ideias.

sim. [mas não interessa nada o que perdi, talvez amanhã compre outros. ou talvez amanhã volte cá e não existam mais as pedras. nem os milénios, nem os decénios, nem os centénios. no fundo, o tempo não acrescenta nenhuma vida às plantas. elas não se apercebem do que o tempo é, mas nós focamos sempre a história e as manifestações de pesar e de dor].

amanhã volto cá. [mas talvez diga que não voltei, que me tornei muito limitado, que limei as unhas, que apanhei uma pneumonia, que demorei mais tempo a escrever as minhas memórias, que me senti mais aberto do que os outros dias, que ressurgi e voltei a nadar no mesmo local. talvez diga tudo e dê respostas para tudo. mas nada tem resposta.]

acho bem. vamos voltar.

vamos.

mas pedro não se apercebeu. havia uma tristeza nas pedras. uma pequena resposta aos limites da memória que impõe que percamos algo e que não procuremos esse algo, esses cavalos que fazem sombra aos livros, às pessoas e às pedras [1]. tudo o que nasce fica nos lugares onde amanheceu, onde fez sombra e luz, onde contou histórias, pessoas, onde acrescentou o que antes não havia sido acrescentado. os óculos não interessavam, mas havia um companheiro estranho na estrada da lua, algo que não pertencia ao tempo das pedras, nem das pessoas que as habitavam. algo que era um grito aberto do nosso tempo, uma construção artificial que impunha a visão quando ela estava sempre lá, embora escondida, silenciosa, remetida ao silêncio sagrado das árvores.

Autor: Jorge Vicente

Antônio Adriano de Medeiros


"Posso resistir a tudo, menos às Tentações", como dizia Oscar Wilde.
1.

CIDADE MARAVILHOSA
Sobrevoava uma tarde o litoral do Brasil
quando algo, lá embaixo, a visão me atraiu.
Era uma bela cidade, eu vi ao chegar mais perto,
protegida pelo Cristo, entre montanhas e o mar aberto.

Toda alma tem um fraco pelas coisas belas,
e ao ver suas montanhas tão perto da praia,
belas jovens sorridentes... - Ó, tomara que caia! -
Eram tantas maravilhas que quis morar entre elas.

Mas não durou muito tempo a imagem de paraíso:
as montanhas têm espinhos, o mar é frio e voraz,
as mulheres são bonitas mas é de outro o seu sorriso.

E examinando o Cristo, eu vi, mesmo a olho nu,
que ele está petrificado, é um fantoche e nada mais,
pois quem domina a cidade, na verdade, é Belzebu.

2.

VERÃO NO RIO

É em dezembro, janeiro e fevereiro,
quando mais ardem as suas artérias,
que a cidade do Rio de Janeiro
abre as pernas a todos os turistas, em férias.

A velha capital, cansada da árida e amarga luta
de nove meses em que finge ser uma jovem executiva,
pode então descansar. E, já sem máscara, exibe, altiva,
sua verdadeira face, seu corpo de eterna prostituta.

Nenhuma outra consegue igualar-se, em beleza,
àquela cortesã que de tão meiga e sedutora
foi capital de um império e enlouqueceu a realeza,

nesses dias em que mais brilha o sol dourado.
- Ah, como foi gostoso aquele dia, em que uma loura
me fez ver, Rio, que teu ócio é o cio acentuado.

3. RIO, EU NÃO TE AMO TANTO ASSIM
E os pobres? E esses marginais, e esses bandidos?
Que destino reservas aos homens vulgares?
O de desaparecer sempre atrás de estampidos?
Ou de morrer de fome? Ou cair de teus patamares?

Se respondes, linda mulher, eu me calo.
A tua voz impõe tua presença,
e eu não resisto a ti, e entalo.
- Se me consomes aos poucos, acho gostosa a doença.

É a Beleza - Tinha que ser a maldita! -
que me faz perdoar-te a cada hora
e te amar ainda demais...

Mas teu orgulho é tanto, feiticeira bonita,
que de repente eu posso ir-me embora
e não voltar nunca mais!

Autor : Antônio Adriano de Medeiros

[Foi entre janeiro de 1986 e março de 1989 que escrevi esses sonetos, procurando também cantar, ao meu modo de nordestino estudante e jovem, a mais cantada das cidades do Brasil. Porque além de bonita e gostosa e cosmopolita, ela é apaixonante.]

Francisco Coimbra


[A Poesia é qualquer coisa que pratico e funciona para mim como julgo funcionaram as orações para os crentes, por isso..., vou dedicar uma poesia para ti e para teu filho, escrevendo-a:]


QUERO A BELEZA

«o ponto de partida é sempre
o ponto onde queremos chegar»,
Manuel Dias

quero que fiques bom
para sentires a tua saúde
como quando respiras
sem dar conta deste acto

quero fazer poesia
deste modo simples onde
respiramos sem esforço
nem qualquer certeza

quero essencial à beleza
este espanto
que não me espanto
de nela procurar e encontrar
Assim

[Talvez o Assim tenha dito tudo o que quis dizer, também eu o queria conseguir, talvez assim:]


PER_FEIÇÃO


não preciso de conhecer
uma pessoa a quem desejo
o bem o bom e o melhor

se nós somos a situação
sendo a nossa condição um
perfeito condicionalismo

uso a "perfeição" assim:
primeiro quero o que quero
depois desejo o desejo?

aceito que a Poesia possa
dar a resposta à questão
descobrindo o título

Autor Francisco Coimbra

Isiara Caruso



O luar persegue meus olhos

através da pequena fresta na janela

e zomba de minha louca agonia

de sonhar assim desperta,

sem vestir a fantasia,

por desnudar-me de mim

frente ao espelho, no escuro,

da noite que morre fria.

Autora : Isiara Caruso

[Natural de Porto Alegre, atualmente residindo em Buenos Aires,dividindo o coração entre o Tango e o Fandango gaúcho.

Educadora por formação, Especialista em Psicopedagogia e Educação a distância e escritora por inspiração desde muito jovem.

Atualmente, representa o Movimento Internacional do Poetrix , na Argentina, divulgando este gênero surgido no Brasil]

Geraldes de Carvalho









Estou aqui .
Quase não sei
mesmo quem sou .

Mas sinto, sinto
meu coração pequeno
fiel à vida .




Ele bate, rebate
e ao bater
envia para cima
o sinal de viver
à minha mente .

E é então
que sinto e sei
que sou gente.

E por saber
começo a repensar
a meditar :
Porque é que estou
aqui ?

Não encontro resposta
é a verdade .
Porque a resposta é
o mesmo meditar
que a si não se conhece .

Não sabe como é
sabe apenas que é.

Esse saber não me contenta.
Procuro saber mais .

E é esse procurar
que é a vida :
Mais e mais
e mais.

Autor: Geraldes de Carvalho