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sábado, 10 de abril de 2010

Jorge Vicente

sintra era um lugar no meio da escuridão. pedro procurava os óculos aonde parecia haver pedras. pedras. pedras e mais pedras. pedras grandes e pedras pequenas, pequenos rochedos como tochas que invadiam o espaço lunar, o lugar onde milhares, centenas, dezenas, pequenos pontos de pessoas escreveram as suas histórias, as suas memórias, as suas lentas ascensões, as suas pequenas quedas. pedro era uma dessas pessoas, como todas as pessoas que procuravam, não os óculos, mas o caminho de regresso para os carros, que estavam na base do monte.

não te preocupes, amanhã vens cá.

preocupo-me, pois tenho de escrever uma parte do romance. sabes, aquela história que contei no dia dos teus anos. pensei transformá-la num capítulo, num pequeno acrescento. gostaste da ideia?

eu gosto de todas as tuas ideias.

sim. [mas não interessa nada o que perdi, talvez amanhã compre outros. ou talvez amanhã volte cá e não existam mais as pedras. nem os milénios, nem os decénios, nem os centénios. no fundo, o tempo não acrescenta nenhuma vida às plantas. elas não se apercebem do que o tempo é, mas nós focamos sempre a história e as manifestações de pesar e de dor].

amanhã volto cá. [mas talvez diga que não voltei, que me tornei muito limitado, que limei as unhas, que apanhei uma pneumonia, que demorei mais tempo a escrever as minhas memórias, que me senti mais aberto do que os outros dias, que ressurgi e voltei a nadar no mesmo local. talvez diga tudo e dê respostas para tudo. mas nada tem resposta.]

acho bem. vamos voltar.

vamos.

mas pedro não se apercebeu. havia uma tristeza nas pedras. uma pequena resposta aos limites da memória que impõe que percamos algo e que não procuremos esse algo, esses cavalos que fazem sombra aos livros, às pessoas e às pedras [1]. tudo o que nasce fica nos lugares onde amanheceu, onde fez sombra e luz, onde contou histórias, pessoas, onde acrescentou o que antes não havia sido acrescentado. os óculos não interessavam, mas havia um companheiro estranho na estrada da lua, algo que não pertencia ao tempo das pedras, nem das pessoas que as habitavam. algo que era um grito aberto do nosso tempo, uma construção artificial que impunha a visão quando ela estava sempre lá, embora escondida, silenciosa, remetida ao silêncio sagrado das árvores.

Autor: Jorge Vicente

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