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segunda-feira, 12 de abril de 2010

Gabriel Perissé


[Imagem- Autoria Desconhecida]

- Livraria como lugar de terapia -

Entrar numa livraria é, em si mesmo, um ato terapêutico. Tudo ali converge para a cura do tédio e outras doenças: livros que querem gente e gente que gosta de livros, gente que trabalha com livros e gente buscando livros, cheiro de livro, livros em exposição, suas capas, a sensação incontestável de que o mundo é feito de papel e palavras.

Pelo menos uma vez por semana, saia da cama com a idéia fixa: entrar numa livraria. Fique ali durante meia hora, ou mais. Toque os livros e se deixe observar por eles.

Escolha um, leia algumas páginas ao acaso. Visite autores conhecidos. Conheça novos autores. Não pisque, não hesite, arrisque, molhe os pés nas águas frias de algum livro.

Não é preciso comprar nenhum livro no dia em que estiver na livraria. Basta ficar ali dentro, experimentando o clima livral, como se o mundo fosse aquilo só, aquela fosse a paisagem em que nos coube viver.

Escolha um dia qualquer, entre na livraria, para ouvir a respiração dos livros, seus sussurros, seus chamados silenciosos, sentir no ar a aflição dos livros — porque eles querem sair dali para conhecer a realidade aqui fora.

Se algum livro conquistar você, compre-o então, tire-o dali, daquela prisão, daquela redoma, daquele orfanato, daquele abismo. Leve-o para fora, prometa-lhe a leitura mais intensa, as descobertas mais empolgantes, os delírios de quem lê. Leve-o para fora dali. Para dentro da sua vida.

O livro comprado e levado é mais do que uma nova companhia. É compromisso para sempre, na euforia e na depressão, na miséria e na abundância, sem possibilidade de empréstimos, pois bem sabemos que livro não se empresta... Nem se devolve.

Ao chegar em casa, deixe o livro descansar um pouco, não tenha pressa. Deixe que ele se sinta à vontade. Mais tarde,quando enfim vocês dois estiverem juntos e puderem conversar em paz, esqueça-se de tudo, para lembrar o essencial.

Contudo, muitos outros livros estão ainda na livraria, sem destino, correndo o risco do encalhe, abandonados à própria sorte, ameaçados pelo esquecimento, pela morte. É preciso, portanto, voltar até lá, mergulhar outra vez na livraria.

Entre na livraria qualquer dia desses. Lá estão eles, os livros. Não queira saber se são caros ou baratos, famosos ou modestos, compreensíveis ou obscuros. Entre lá. Eles estão esperando por você, ansiosamente.

Autor: Gabriel Perissé

[Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor. ]

Um comentário:

Maria João disse...

E aqui temos Jorge Luís Borges no paraíso ("Sempre imaginei o paraíso como uma grande biblioteca"). E também um desafio que poderia mudar o mundo, se a maioria "saísse da cama, com a ideia fixa de entrar numa livraria, pelo menos uma vez por semana". Penso que para o espírito comer e beber, não há melhor lugar. E, ao "ouvir a respiração dos livros, seus sussurros, seus chamados silenciosos (...)", sente-
-se um arrepio na espinha (uma das grandes funções da literatura...), a sensação de que estamos a absorvê-los, através da pele. É a alma dos livros que entra em nós como fermento a fazer crescer a massa.
É muito provável que os médicos psiquiatras ficassem quase sem clientes, se estes descobrissem a "livraria como lugar de terapia". Porém, Carlos Drummond de Andrade estava coberto de razão, quando disse que "a leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas por incrível que pareça, a quase totalidade das pessoas não sente esta sede".
E a indiferença mata... também os livros. Às vezes, encontro-os, já moribundos, "abandonados à própria sorte", numa prateleira escondida, sem ninguém que seja capaz de sentir o seu cheiro...
No entanto, o livro "é compromisso para sempre", sim. A leitura não acaba, ao fecharmos um livro, depois de o termos lido. Nesse momento, "estamos iniciando um processo que pode durar anos", como disse Cosson.
Obrigada, Gabriel Perissé, por este desafio. Um desafio que tem milhares de pés e é urgente que ele chegue a toda a parte.

Maria João Oliveira